A polêmica mais recente envolvendo especificações de hardware, frequentemente mal interpretadas, aconteceu com as telas dos novos Moto X. A Motorola foi criticada por abandonar o painel AMOLED da geração passada em favor do LCD. Pior: não é nem sequer IPS, é TFT, a pior coisa do mundo, com ângulo de visão ridículo, cores lavadas e… calma, não é bem assim. Vamos entender essas siglas.

A confusão toda acontece, creio eu, por marketing e motivos históricos. Nas especificações técnicas, as fabricantes normalmente (não é uma regra) fazem questão de destacar a sigla IPS nos aparelhos que possuem esses painéis. A LG, que aposta bastante na tecnologia (em contraposição à Samsung, focada no AMOLED), coloca até selos ressaltando o painel IPS nos smartphones. Além disso, monitores mais sofisticados, como os Dell UltraSharp e Apple Thunderbolt Display, são IPS.

Por outro lado, os smartphones mais baratos sempre eram (e ainda são) lançados com telas denominadas de TFT. A Sony adotava displays anunciados como “TFT” nos topos de linha até o Xperia Z1, que tinha um display de baixa qualidade, com ângulo de visão bastante limitado quando comparado aos concorrentes. Coincidentemente, quando o Xperia Z2 chegou, ele foi anunciado como “IPS” e não houve mais críticas severas às telas dos smartphones mais caros da Sony. E aí?

Vem comigo.

O que é TFT LCD, afinal?

Primeiro, a definição do dicionário: TFT LCD significa “thin film transistor liquid crystal display”. Em português, eu traduziria esse termo estranho para algo como “display de cristal líquido baseado em transistores de película fina”. Isso ainda não diz muita coisa, então vamos clarear as coisas.

O LCD você já conhece bem, embora talvez não saiba como ele funciona. Essa é a tecnologia que o monitor do seu desktop ou notebook provavelmente usa. A engenhoca tem os chamados “cristais líquidos”, que são materiais transparentes que conseguem ficar opacos ao receber uma corrente elétrica. Eles estão dentro da sua tela, que possui os “pixels”, formados pelas cores vermelha, verde e azul (o padrão RGB). Cada cor normalmente suporta 256 variações de tonalidades. Fazendo as contas (2563), isso significa que cada pixel teoricamente pode formar mais de 16,7 milhões de cores.

lcd-tela

Mas como esses cristais líquidos formam as cores? Bem, eles precisam receber uma corrente elétrica para ficarem opacos, e isso fica a cargo dos tais transistores: cada um é responsável por um pixel. Na traseira de uma tela LCD há o chamado backlight, uma luz branca que faz o display brilhar. De maneira simplificada, pense comigo: se todos os transistores emitirem corrente, os cristais líquidos ficarão opacos e impedirão que a luz passe (ou seja, a tela exibirá a cor preta). Se nada for emitido, a tela ficará branca.

É aí que entra o TFT. Nas telas TFT LCD, os milhões de transistores, que controlam cada um dos pixels do painel, são colocados dentro da tela por meio do depósito de uma película bem fina de materiais microscópicos, com alguns nanômetros ou micrômetros de espessura (o fio do seu cabelo tem algo entre 60 e 120 micrômetros de espessura). Pronto, já sabemos o que é a tal da “película” presente na sigla TFT.

Então que diferença faz o IPS?

Lá para o final do século passado, quase todos os painéis TFT LCD dos monitores usavam uma técnica chamada Twisted Nematic (TN) para funcionar. Ela tem esse nome porque, para deixar a luz passar no pixel (ou seja, formar a cor branca), o cristal líquido fica organizado numa estrutura retorcida (twisted, em inglês). Esse gráfico lembra aquelas ilustrações de DNA que você viu no colégio:

tn-lcd-esquema

Quando o transistor emite corrente elétrica, a estrutura se “desmonta”. Os cristais líquidos se tornam opacos e consequentemente, o pixel fica preto — ou exibe alguma cor intermediária entre branco e preto, dependendo da intensidade da energia que foi aplicada pelo transistor. Olhe de novo para a imagem e preste atenção na maneira como os cristais líquidos passam a se organizar: de forma perpendicular ao substrato.

Só que todo mundo sabia que o LCD baseado em TN tinha algumas limitações. As cores não eram reproduzidas de maneira tão fiel, e havia problemas com o ângulo de visão: se você não ficasse exatamente em frente ao monitor, era possível notar variações de cor. Quanto mais fora do ângulo de 90º você se posicionasse em frente ao monitor, piores ficavam as cores.

Então tiveram uma ideia: e se o cristal líquido não precisasse se organizar perpendicularmente? Foi quando criaram o In-Plane Switching (IPS). No painel LCD baseado em IPS, as moléculas de cristal líquido estão organizadas na horizontal — ou seja, paralelamente ao substrato. Em outras palavras, eles ficam sempre no mesmo plano (“In-Plane”, sacou?). Um desenho da Sharp ilustra isso:

ips-tn

Como o cristal líquido fica sempre mais perto de você no IPS, o ângulo de visão acaba melhorando e a reprodução de cores se torna mais fiel. O ponto negativo é que essa tecnologia ainda é um pouco mais cara de se produzir, e nem todas as fabricantes estão dispostas a gastar mais com um painel IPS na produção de um smartphone mais básico, onde o importante é enxugar os custos ao máximo.

O ponto-chave

Simplificando, o IPS é apenas isso: uma forma diferente de organizar as moléculas de cristal líquido. O que não muda em relação ao TN são os transistores, que controlam os pixels: eles continuam organizados da mesma forma, ou seja, depositados como uma “película fina”. Não faz sentido dizer que uma tela IPS é melhor que uma TFT: seria como falar “o Ubuntu é pior que o Linux”.

Portanto, as telas IPS que você conhece também usam tecnologia TFT. Na verdade, o TFT é uma técnica bastante ampla, que também é aproveitada nos painéis AMOLED. Não está errado dizer que o Moto X de 2ª geração ou o Galaxy S6 Edge+ possuem uma tela TFT AMOLED, embora quase ninguém faça isso.

E sim, os novos Moto X possuem uma tela TFT, que também é IPS. Saber apenas que um painel é TFT não é um indicativo da qualidade dele. Capisce? :)

Fonte