Quem usa regularmente o transporte público de São Paulo sabe que a Linha 4-Amarela concentra o que há de mais moderno em sistemas metroviários: as estações têm portas nas plataformas e os trens são driverless, ou seja, não possuem operador. Mas essas são as partes que nós, na condição de usuários, vemos. Nos bastidores também há muita tecnologia. Eu fui conferir uma delas: um simulador de trens recém-inaugurado.
É tudo automático
As demais linhas do Metrô de São Paulo (1, 2, 3 e 5) precisam, obrigatoriamente, contar com a presença de um operador humano em cada trem. Apesar disso, as composições são operadas de modo automático na maior parte do tempo, como se os trens fossem robôs.
Sob permanente revisão do CCO (Centro de Controle Operacional), um sistema chamado ATC (Automatic Train Control) regula a locomoção de todos os trens. Se um estiver se aproximando de outro que está parado em uma estação, o sistema reduz a velocidade do primeiro — e até o para, se necessário — até o trecho à frente estar liberado, só para você ter noção de como tudo funciona.
Até mesmo a abertura e o fechamento das portas são feitos de modo automatizado. Nessas circunstâncias, o operador acaba sendo um supervisor. Ele só vai interferir se houver uma intercorrência — um usuário preso nas portas, por exemplo — ou, sob orientação do CCO, assumir parcial ou totalmente o controle do trem quando ocorrer uma falha no sistema, assim como em procedimentos operacionais específicos.
Em vídeo
Na Linha 4-Amarela
Administrada pela ViaQuatro (concessionária que adquiriu os direitos operacionais a partir de uma parceria público-privada com o governo do Estado de São Paulo), a Linha 4-Amarela iniciou suas operações em maio de 2010. Por ser mais recente, a linha pôde ser construída inteiramente com base em um sistema mais sofisticado: o CBTC (Communications Based Train Control).
O CBTC também permite que o controle das composições seja totalmente automatizado, mas consegue determinar a posição de cada composição em operação de modo mais preciso, fazendo com que seja possível deixar os trens mais próximos sem comprometer a segurança. Esse aspecto contribui para diminuir o intervalo entre as composições (não é à toa que o Metrô decidiu implementar o CBTC nas demais linhas, embora, até agora, só a Linha 2 – Verde e a Linha 5 – Lilás tenham o sistema, a última de modo parcial).
Além do CBTC plenamente funcional, a Linha 4-Amarela é totalmente constituída por túneis e tem portas em todas as plataformas que só abrem quando o trem para na estação. Essas características impedem que usuários caiam na via ou a invadam, logo, a quantidade de intercorrências acaba sendo muito baixa. A soma de todos esses fatores faz a presença do operador não ser necessária.
Se é assim, qual a necessidade de um simulador?
Por serem driverless, os trens da Linha 4-Amarela não possuem cabine para o operador. Apesar disso, o primeiro carro (vagão) de cada trem conta com um painel de controle (o último também). Se por alguma razão a operação automática for interrompida, um funcionário — alguém da segurança ou da manutenção — remove a tampa desse painel e conduz o trem seguindo orientações do CCO. No modo manual, a velocidade não passa de 30 km/h. Em condições normais, o trem chega a 80 km/h.
O sistema automático pode ser interrompido devido a uma oscilação na rede elétrica ou quando um trem quebra, por exemplo. Só que essas situações não são frequentes, logo, funcionários assumem o controle dos trens apenas ocasionalmente.
É essencial que o funcionário tenha precisão na operação do trem para evitar que a composição pare em posição não alinhada com as portas da plataforma, por exemplo. Para isso, é necessário praticar bastante. É mais ou menos como dirigir um carro: só com várias horas de volante é que você consegue estacionar o veículo perfeitamente ou fazer uma baliza.
Nos trens das outras linhas, o operador está constantemente em contato com o painel de controle, logo, praticar não é um grande problema. Mas, na Linha 4-Amarela, um trem precisa ser alocado só para o treinamento. Não é muito fácil fazer isso em horário de operação. De madrugada, quando a linha está fechada, são realizados procedimentos de manutenção. Isso também é um complicador. Foi daí que veio a ideia do simulador.
O simulador da Linha 4-Amarela
O simulador foi instalado no centro de treinamento da Linha 4-Amarela, no Pátio Vila Sônia. O equipamento reproduz com precisão a parte frontal interna do trem, assim como o painel de controle.
A parte mais interessante fica para o software. O sistema foi desenvolvido pela Lander, companhia espanhola especializada em simuladores de diversos tipos (carros, caminhões, trens, entre outros). No Brasil, a companhia já fornecia simuladores para a CPTM, por exemplo.
No caso da Linha 4-Amarela, a Lander se uniu a uma equipe da ViaQuatro para filmar toda a extensão da linha e, a partir daí, criar o ambiente virtual. Tudo foi reproduzido fielmente: dimensões das estações, iluminação, equipamentos de via, etc.
As características técnicas do trem foram igualmente assimiladas no projeto. Os barulhos dos motores, dos avisos sonoros, das portas e dos instrumentos foram capturados de um trem de verdade para reforçar o realismo. As condições operacionais também foram consideradas: se o trem estiver cheio ou entrando em um trecho de subida, parâmetros como aceleração e velocidade sofrerão influência desses aspectos; o trem virtual consegue reproduzir as mesmas condições.
Além da cabine que simula o trem, há uma mesa de comando — uma espécie de “modo deus”. Ali, o instrutor consegue colocar o operador em treinamento diante das mais diversas situações. Ele pode desde encher as plataformas de usuários até criar um exercício de acoplamento em outro trem (quando um trem precisa empurrar outro).
O instrutor também consegue simular ocorrências ao longo do trem. Por exemplo, se o ar condicionado parar de funcionar, um funcionário da manutenção tem que ir imediatamente até o armário correto para checar um disjuntor. Ou, então, se um passageiro acionar o botão de emergência, o funcionário precisa encontrar imediatamente o local da ocorrência, verificar o que aconteceu e então liberar o botão para que o trem volte à operação normal. No simulador, o funcionário realiza esses procedimentos em uma tela sensível a toques.
Se uma nova estação for liberada (lamentavelmente, as estações Higienópolis-Mackenzie, Oscar Freire, São Paulo-Morumbi e Vila Sônia estão bem atrasadas) ou uma mudança estrutural for feita, o software será atualizado: a ViaQuatro se comunica regularmente com a Lander para fazer ajustes no sistema.
Como a ideia é treinar os funcionários o máximo possível, a ViaQuatro também encomendou um simulador móvel dotado do mesmo sistema — o instrutor pode até controlá-lo remotamente. O plano aqui é deixá-lo periodicamente em cada estação para que os funcionários não precisem se locomover até o Pátio Vila Sônia sempre que precisarem treinar.
Vantagens
Há pouco mais de um mês que o simulador começou a funcionar, mas a ViaQuatro já consegue estimar os benefícios. Para começar, mais gente pode ser treinada em um curto período de tempo. Além disso, o simulador diminui a necessidade de prática nos trens reais, reduzindo os gastos com energia elétrica, desgaste de equipamentos e horas extras (já que muitas vezes o treino precisa ser realizado de madrugada).
Outro grande benefício: o sistema pode colocar o funcionário diante de uma situação tão improvável de acontecer que, em um trem de verdade, seria difícil ou mesmo impossível de simular. Por exemplo, uma pessoa pulando na frente do trem: as plataformas foram construídas para impedir que usuários entrem na via, mas o instrutor pode colocar alguém ali no simulador só para testar o reflexo do funcionário.
Eu, como mero usuário, fiquei fascinado com o que vi ali. Parecia um videogame gigante. Mas, para quem está vivenciando a operação da linha todo santo dia, fica claro a relevância de um equipamento do tipo. Diante dos diversos problemas estruturais que temos nos sistemas de transportes, é muito bom encontrar iniciativas como essa sendo tão bem conduzidas.