Lá em agosto de 2015, Bruno Gregory, fundador da Graava, não imaginava que uma nova action camera iria ter tanta repercussão. Na época, ela era “a câmera que edita os vídeos por você”, mas o foco mudou. Depois de avaliar o mercado, a startup resolveu adaptar toda a tecnologia para um aplicativo, por acreditar que traria muito mais usuários quando comparado a um pedaço de hardware.

Bruno trabalhava como analista de sistemas em Brasília, com foco na área financeira. No entanto, se mudou Berkeley (CA), região próxima ao Vale do Silício, e logo depois de um acidente de bicicleta teve a ideia de fundar a empresa. Pera, como assim? Isso mesmo: Bruno estava andando de bicicleta com um amigo na cidade e foi atingido por um carro — seu amigo, que estava atrás, gravou tudo com uma GoPro e, segundo a polícia, foi “a melhor evidência” que eles já receberam. O motorista foi identificado pela placa do carro.

Bruno Gregory, fundador da Graava.

Depois que o susto passou, quando estava em casa, caiu a ficha de Bruno: ele tinha a mesma câmera que o amigo, mas não usava muito “porque ela não era boa o suficiente”. Boa não em qualidade, mas em autonomia e conteúdo. “Ao terminar a gravação, todas as câmeras que estão no mercado hoje te geram um problema, não uma solução. O que você vai fazer com aquele material bruto?”, questiona Bruno.

Qual a proposta da Graava

A problemática é real. Muita gente grava vídeos mas não tem tempo ou recursos (conhecimento ou equipamento) para edição — muitas vezes só selecionam um trecho e postam nas redes sociais. “O Instagram impulsionou a foto digital, mas agora o vídeo também toma a frente. Em vez de apenas 15 segundos, dá pra postar vídeos de um minuto. É bastante tempo. O que o usuário vai fazer com isso?”, diz.

No entanto, eles perceberam que teriam pouco público com uma câmera de 250 dólares, principalmente para implantar a ideia aqui no Brasil, um mercado muito importante para os fundadores. A câmera Graava era literalmente um pequeno smartphone, uma vez que tinha sensores como acelerômetro, GPS, sensor de luminosidade e dois microfones. Na importação, poderia sair até mais caro que um celular de entrada.

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Então houve a mudança: o núcleo da câmera sempre foi o software inteligente que selecionava “os melhores momentos por você”. Ao passar esse algoritmo para vários dispositivos, como um celular ou computador (em breve), eles não apenas solucionam o problema dos concorrentes como colocam uma ferramenta de edição na mão de milhões de pessoas — as que têm um smartphone.

a graava quer produzir conteúdo que vale o seu like

“As pessoas tiram milhares de fotos, gravam centenas de vídeos, mas poucas vezes param pra voltar em todo aquele conteúdo. Por vezes, deletam fotos que poderiam ser úteis. Nosso objetivo é produzir uma informação boa para compartilhar. É gerar, em tempo real, quais são os melhores momentos do seu fim de semana, por exemplo”, explica Bruno.

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Por mais que já existissem aplicativos de edição automática de foto e vídeo no smartphone, o grande diferencial da empresa é que ela faz isso usando a famosa inteligência artificial. Por meio de uma série de algoritmos que identificam o que é melhor no seu vídeo, ou como criar uma sequência de fotos interessante, a Graava quer produzir um conteúdo que vale o seu like. E está conseguindo.

Como funciona

A Graava se diferencia em dois pontos: não quer que o usuário fique selecionando cada imagem — e sim o grupo inteiro, como todas as fotos do fim de semana. Outra questão é que, mesmo que você tenha colocado 100 fotos, o app não vai necessariamente mostrar as 100. “Nosso algoritmo identifica os melhores momentos: as fotos são similares? Qual dessas cinco é a melhor? Qual está com melhor foco, mais bem centralizada? Tem alguém sorrindo?”, esclarece.

Com os dados existentes no vídeo, o aplicativo funciona em duas etapas. A primeira é chamada de ciência, que usa a matemática e algoritmos pesados para identificar as questões mencionadas acima. A segunda, batizada de arte, analisa os dados coletados e vê qual tipo de conteúdo pode ser usado e como ele pode ser usado. É a edição propriamente dita. A diferença é que o usuário não faz nada: o app já entrega o resultado pronto.

Por meio de consultoria com profissionais de vídeo, a equipe da Graava estudou o que os melhores editores de vídeo fariam com esse conteúdo. Quais tipos de transições ou música eles usariam? O aplicativo também oferece uma biblioteca de música. “Conseguimos fazer uma transição na batida do som, um recurso muito bacana que em um editor profissional demoraria horas, dependendo do tamanho do vídeo”, compara Bruno.

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A interface é a mais simples possível e o algoritmo cuida de tudo. Ainda assim, eles tomaram cuidado para que o usuário também tenha um dedo de personalização, mas sem colocar muitas funções para não lembrar um editor de vídeo. As duas ferramentas existentes são de flagunflag, para escolher o que é legal de incluir no vídeo (flag) ou deixar alguma coisa de fora (unflag).

“Decidimos isso porque nem sempre o algoritmo vai pegar a parte especial. Por exemplo, você estava andando de skate e caiu. Pros sensores, essa parte é importante, pelo movimento da câmera, som, etc. Mas você pode não querer compartilhar que caiu pros seus amigos”, brinca. E aí que está a importância do flag/unflag: com a aprendizagem de máquina, a Graava já vai aprendendo o que pode ser importante ou não para manter a edição consistente.

Efeitos da mudança de planos

Mas adaptar todos esses algoritmos não foi fácil. A Graava nasceu como uma câmera de rua, em que o usuário faria aplicações similares à GoPro, filmando cenas de ação — portanto, funcionava apenas com vídeos. Ao transferir esse software para um mercado em que as pessoas tiram bem mais fotos que vídeos, Bruno precisou estudar como deixar o resultado final tão bom quanto os vídeos tendo também fotos (e às vezes só fotos).

Outro problema: nem sempre as fotos são em modo paisagem, que é o padrão de vídeo. Para cortar essa foto sem que fique estranho, o algoritmo precisa entender onde que um humano cortaria — aí que está a importância do reconhecimento de face, sorrisos, etc. No momento, a entrada só de fotos não funciona tão bem quando combinada com um vídeo, mas há o diferencial da transição na batida da música, que cria um efeito bem interessante.

Com uma entrada mista (fotos e vídeos), Bruno afirma que o resultado fica muito bonito porque o destaque fica nos vídeos, mas as fotos aparecem de uma maneira mais orgânica, para que a transição não fique muito brusca. Caso você só coloque vídeos o resultado vai ser o melhor possível, afinal, foi o que o algoritmo sempre esteve acostumado.

Essa era a Graava (câmera) em agosto. Agora, a proposta é de um aplicativo.

Essa era a Graava (câmera) em agosto. Agora, a proposta é de um aplicativo.

Da câmera para o aplicativo

Mas você pode pensar: na câmera, um hardware especificamente para isso, havia vários sensores que ficariam ativos durante a gravação, como acelerômetro, GPS e outros. No celular, ou em um vídeo pronto da GoPro, muitas vezes o usuário só vai ter o vídeo e o áudio. O resultado fica o mesmo? Agora sim. Isso porque a Graava fez algumas alterações no algoritmo para suprir a falta desses sensores.

“Desenvolvemos técnicas de análise do frame, como reconhecimento de objetos, cenários, face, sorriso, conversação e até da velocidade de mudança do frame, para saber se você está correndo ou não. O resultado fica muito bom”, garante Bruno. Quanto mais sensores, mais apurado o resultado, mas este sempre vai ser entregue, independente de quanto conteúdo de entrada tem.

Para captar o maior número de usuários, eles também tiveram o cuidado de deixar o aplicativo com uma experiência agradável, sem estar muito pesado. Todas as trilhas sonoras estão na nuvem, porque “se você não tem filho, não faz sentido baixar músicas infantis”.

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Hoje, o app para iPhone oferece uma experiência superior, porque o iOS entrega melhores recursos de identificação de imagem e de como lidar com as situações. No entanto, o foco no Brasil fez os desenvolvedores investirem bastante na versão para Android.

Foi uma decisão inteligente: no Brasil, cerca de 90% dos smartphones vendidos nos últimos dois anos eram Androids. Por conta do número de dispositivos diferentes, e consequentemente das versões de API de câmera que divergiam, nem tudo o que funcionava bem em um Nexus 5X dava certo em um Galaxy, por exemplo. Antes, o Android ficava um pouco atrás do iPhone na identificação dos melhores momentos, mas hoje o resultado final fica “quase igual”.

Alguns problemas que a equipe ainda enfrenta estão no desempenho. O aplicativo para Android consome mais bateria e mais poder de processamento, o que eles estão tentando otimizar. Mas a diferença para o usuário é invisível, garante Bruno.

O que vem pela frente

Foco no aplicativo, como testes e correções de bugs — o lançamento da câmera está pausado. O app da Graava já está disponível para Android e iOS — já baixei e ele cumpre o prometido. No entanto, por conta das dificuldades acima, nada ainda está perfeito. Quanto mais usuários melhor para o aperfeiçoamento do algoritmo. Por enquanto, o foco do aplicativo é o Brasil, não só porque os fundadores são brasileiros, mas porque eles consideram o Brasil um lugar muito criativo.

“Ninguém no mundo é mais criativo que brasileiro. Sabemos que os resultados vão ser muitos variados e vamos aprender muito com o conteúdo enviado”, disse Bruno. Depois que o aplicativo for aprimorado, eles vão seguir para um lançamento mundial. Por enquanto, sem anúncios. Os fundadores querem que o usuário cadastrado esteja realmente interessado na proposta do app.

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