O Japão liberou recentemente o uso de câmeras e telas no lugar dos tradicionais retrovisores. A ideia traz várias vantagens: correção de luminosidade, cobertura de pontos cegos, melhorias aerodinâmicas e por aí vai. Mas, pensando um pouco, percebemos que os espelhos ainda têm sua razão de existir nos carros. Eles podem ser substituídos rapidamente e dão boa noção de profundidade, por exemplo. Diante disso, será que a troca realmente vale a pena?
Retrovisores digitais
A ideia não é nova. Carros-conceito sem espelhos são apresentados em feiras automotivas desde a década de 1990, pelo menos. Hoje, os chamados retrovisores digitais já podem ser encontrados no interior de alguns automóveis de luxo. A Audi, por exemplo, equipou o modelo R8 e-tron com a tecnologia em 2012, trazendo a ideia dos carros de corrida da marca que participaram das 24 Horas de Le Mans nos anos anteriores.
Outro exemplo recente vem da Continental (sim, a fabricante de pneus), que apresentou há um ano uma tecnologia que substitui os retrovisores exteriores e o interno por um conjunto de três câmeras com ângulos abrangentes.
Na ocasião, Alfred Eckert, chefe de desenvolvimento futuro da Continental, pontuou as vantagens da tecnologia. Para começar, a retirada dos retrovisores exteriores convencionais pode reduzir o ruído em velocidades elevadas e, principalmente, a resistência aerodinâmica do veículo, ajudando na economia de combustível.
Além disso, as câmeras conseguem compensar o excesso de luz, evitando que a visão do motorista seja ofuscada por um veículo que segue atrás com faróis altos ou por raios de luz solar. As câmeras podem ainda contar com funções como HDR e visão noturna para aumentar a visibilidade à noite ou quando chove.
Com aplicação das lentes corretas, é possível ainda reduzir ou mesmo eliminar o principal problema dos retrovisores convencionais: os pontos cegos. E como as telas referentes a cada retrovisor digital ficam no painel do carro, o condutor não precisa virar a cabeça em direção aos espelhos externos, o que contribui para que ele fique concentrado à movimentação à frente.
Dá para ir além. No futuro, um sistema como esse pode mostrar dados complementares, como a que distância o carro que aparece na tela está e em qual velocidade o veículo se aproxima.
Polêmica à vista
Retrovisores digitais já podem ser encontrados em alguns carros, como já dito, além de veículos grandes. Encarroçadoras de ônibus de várias partes do mundo oferecem entre os opcionais câmeras externas que cobrem os pontos cegos dos retrovisores convencionais, por exemplo. Mas note o diferencial aqui: a tecnologia complementa os espelhos. O que muitas montadoras estão defendendo é a substituição desse componente.
Ainda não vemos carros equipados exclusivamente com retrovisores digitais rodando por aí por conta da legislação. As leis de trânsito da maioria dos países exigem que os carros tenham espelhos retrovisores. É por isso que a decisão do Japão de liberar veículos dotados de câmeras e telas animou empresas do segmento: agora, há expectativa de que outros países sigam pelo mesmo caminho.
Mesmo com a promessa de tantas inovações, a resistência à ideia é grande, mas por razões compreensíveis. Você pode quebrar um espelho em um acidente, por exemplo, mas esse componente não está sujeito ao risco de parar de funcionar repentinamente, característica inerente de qualquer dispositivo eletrônico.
Mas a maior preocupação fica para o aspecto da confiabilidade visual. Se você é um motorista experiente e, portanto, acostumado ao uso dos espelhos, consegue ter noção de distância e velocidade dos veículos atrás com muita exatidão. Fica então a pergunta: a combinação de câmeras com telas pode proporcionar o mesmo nível de precisão?
Tecnicamente, sim. Os fabricantes estão apostando em lentes com ampla abertura, imagens de alta resolução e telas com resposta rápida justamente para fazer os retrovisores transmitirem mais confiabilidade que os tradicionais espelhos — provavelmente, nenhumas dessas empresas quer correr o risco de pagar indenizações gigantes por acidentes causados por falhas nessa tecnologia.
A despeito disso, os fabricantes precisam apresentar argumentos convincentes a órgãos legisladores e afins sobre os benefícios dos retrovisores digitais. Mas essa está longe de ser uma tarefa fácil: as leis de segurança no trânsito mudam de país para país; em alguns deles, pode simplesmente não ser possível substituir um tipo de equipamento por outro enquanto não houver regulamentação específica para a nova tecnologia.
O maior entrave provavelmente está na falta de percepção de utilidade, porém. Os espelhos são utilizados há décadas nos carros e, apesar de estarem suscetíveis a limitações como pontos cegos e reflexo de luz, funcionam bem, atendendo a critérios de segurança. Se é assim, para que mudar?
Solução mista
Não é porque uma tecnologia existe que ela deve ser adotada. Em relação aos retrovisores digitais, é necessário que haja aumento real da segurança, mas esse aspecto só pode ser bem avaliado se a tecnologia chegar ao mercado. Nesse sentido, é mais provável que os retrovisores digitais sejam usados em conjunto com os tradicionais espelhos, ao menos por algum tempo.
Essa abordagem é mais segura, tanto que vem sendo experimentada pela Audi, como já mencionado, e outros fabricantes. No Cadillac CT6, por exemplo, o retrovisor interno pode ser “transformado” em digital com um simples toque — os externos continuam sendo espelhos.
Carros com retrovisores digitais internos e externos estarão liberados para as ruas do Japão a partir de agosto. Possivelmente, o primeiro modelo será uma versão do Nissan X-Trail, que já tem uma variação com retrovisor digital interno. Não deve demorar muito para opções de outras companhias surgirem: para a Ichikoh, uma das empresas que estão desenvolvendo tecnologias para retrovisores digitais, 29% dos carros fabricados no Japão em 2023 não terão nenhum tipo de espelho.
Mas o Japão não estará sozinho nessa por muito tempo. A expectativa é a de que a União Europeia e a China liberem o uso da tecnologia já neste ano. Os Estados Unidos, por sua vez, devem dar sinal verde à ideia até 2018.