Se você quebrar um osso ou tiver uma ruptura muscular, o seu corpo conseguirá se recuperar da lesão, mesmo que reste uma ou outra sequela. Lesões medulares, porém, costumam ser mais complicadas: dependendo da extensão e da localização, o dano pode ser permanente, levando a pessoa a ter paraplegia ou tetraplegia.

Em situações desse tipo, será que não seria possível resolver o problema a partir de um “desvio” sobre a lesão? Uma pesquisa publicada recentemente na Nature sugere que sim: cientistas da China, Estados Unidos e Europa uniram forças para desenvolver um implante cerebral que restabelece conexões nervosas interrompidas por lesões — é uma espécie de bypass.

Na teoria, faz sentido. Uma lesão permanente na medula espinhal leva à perda de movimentos porque estruturas que permitem ao cérebro se comunicar com o corpo são rompidas ou seriamente danificadas. No entanto, as partes do cérebro responsáveis pelos movimentos estão preservadas, assim como músculos, tendões e nervos dos membros paralisados.

Se o problema é uma interrupção, um contorno que restaura a comunicação entre cérebro e membros pode restabelecer os movimentos. Será? Para comprovar, os pesquisadores desenvolveram um BCI — sigla em inglês para interface cérebro-computador — e o implantaram nos cérebros de dois macacos que perderam os movimentos das patas inferiores por conta de lesões medulares.

Essa foi só uma parte do procedimento. A outra consistiu na implantação de um sistema de eletrodos sobre a superfície da medula de cada animal, em um ponto bastante próximo da área lesionada. O que o implante cerebral faz, basicamente, é enviar sinais do cérebro ao sistema de eletrodos para que este emita os estímulos que geram movimentos.

Não é uma ideia nova. Aqui mesmo no Tecnoblog já mostramos a história de Ian Burkhart, um rapaz com tetraplegia que conseguiu mover a mão direita graças a um implante cerebral, além do caso de Nathan Copeland, um jovem tetraplégico que voltou a ter tato graças a um procedimento semelhante.

Todavia, há uma diferença importante em relação às pesquisas envolvendo os dois rapazes: os implantes dos macacos são wireless, ou seja, não é necessário interligar os componentes com fios. Essa característica diminui as chances de danos aos dispositivos, dá mais liberdade de movimentos, reduz o risco de infecções, enfim.

Bom, mas será que esse sistema funciona? Os resultados deixaram os pesquisadores bastante esperançosos. O BCI conseguiu reproduzir os impulsos nervosos gerados no cérebro e convertê-los em sinais correspondentes aos movimentos esperados. Estes forem enviados aos eletrodos que, por sua vez, transmitiram os estímulos para a região a ser movimentada.

Deu certo: os macacos voltaram a andar. Um deles não mexia uma pata traseira e precisou de seis dias para recuperar a capacidade de movimentação. O outro, com uma lesão mais extensa, levou duas semanas.

O implante

O implante

A abordagem dos pesquisadores chama atenção porque, em vez de tentar decodificar os impulsos nervosos, como parte dos estudos relacionados à área faz, a equipe se focou em levar os sinais para a parte da medula espinhal localizada depois da lesão.

As tarefas mais cruciais do trabalho estiveram, portanto, em fazer o BCI registrar corretamente os sinais correspondentes a movimentos e em transmití-los sem alterações ou atrasos para a parte da medula que não foi lesionada. “Nós deixamos a espinha dorsal cuidar dos detalhes da atividade muscular”, explica Grégoire Courtine, neurocientista que participa do projeto.

Será que um dia esse tipo de pesquisa poderá reduzir drasticamente os casos de paraplegia ou tetraplegia? Esse é o objetivo. Mas, como tudo que envolve ciência, precisamos ter paciência. O estudo está bastante avançado, mas ainda há muito trabalho a ser feito.

Em primeiro lugar, temos que considerar que, a despeito das semelhanças entre macacos e humanos, estamos falando de estruturas corporais diferentes. Os macacos são menores e isso pode ter facilitado a comunicação entre o BCI e os eletrodos.

Além disso, os padrões de atividade cerebral são extremamente complexos. No atual estágio, a tecnologia não consegue detectar e reproduzir com absoluta precisão todos os impulsos nervosos gerados, tampouco garantir que eles chegarão nas áreas de destino em tempo hábil. Como consequência, os movimentos recuperados podem não ser sutis ou não possuir a abrangência de antes.

De qualquer forma, os pesquisadores acreditam que, dentro de alguns anos, a técnica estará evoluída o suficiente para permitir que pessoas com lesões na medula espinhal recuperem pelo menos parte dos movimentos perdidos. Talvez a pessoa não volte a correr, por exemplo, mas se ela não ficar dependente de uma cadeira de rodas, teremos aí uma grande vitória.

Apesar da relevância do assunto, os cientistas poderão ter problemas com grupos de defesa dos animais, pois os macacos foram lesionados especificamente para o estudo. Isso explica o fato de os procedimentos terem sido realizados na China: o país não tem regras rígidas em relação a pesquisas com animais.

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