Como é o nome daquele filme? Aquele que tem o ator que fez aquela série lá sobre mentiras? Peraí, deixa eu ver aqui (no smartphone). Ah, é Tim Roth!
Essa cena, que ocorreu comigo durante uma conversa de bar, ilustra bem um fenômeno que vem sendo chamado de “efeito Google”: usamos tanto a tecnologia para obtermos informações que nos habituamos a não retê-las na memória; se precisarmos saber de algo rapidamente, uma olhadinha no Google resolve. Mas até que ponto isso é benéfico?
Esse comportamento vem sendo fortemente percebido em instituições de ensino. Muitos alunos já não recorrem à biblioteca como antes e dão pouca importância à memorização, o que pode comprometer processos de aprendizagem. Em empresas, funcionários mais novos podem ficar perdidos na tomada de decisões se não tiverem a tecnologia como meio para isso.
Como assim efeito Google?
O efeito Google recebeu informalmente essa denominação por volta de 2010, quando o assunto começou a ser estudado com afinco. De lá para cá, o fenômeno ganhou mais força por causa desse dispositivo aí que está bem pertinho de você: o smartphone.
Em 2010, os dispositivos móveis já eram bastante usados para acesso à internet, mas desktops e laptops ainda dominavam. Hoje, a realidade é bem diferente: por questões de custos e praticidade, muita gente sequer tem um PC em casa, delegando o acesso à internet inteiramente ao smartphone.
A praticidade é incontestável. Precisa saber se amanhã é feriado? Tira o celular do bolso e pesquisa. Qual a temperatura ideal para beber vinho? Idem. Qual estação do metrô é mais próxima daquele shopping? Google Maps. Como é “trilhão” em espanhol? Google Tradutor. É “mussarela” ou “muçarela”? Recorra ao Google Now.
Os exemplos remetem ao Google, mas o acesso rápido à informação não se limita aos serviços da empresa. Hoje, temos à nossa disposição aplicativos para bolsa de valores, guia de restaurantes, avaliação de filmes, previsão do tempo, resultado de jogos esportivos, tradução em tempo real, receitas culinárias, agenda e assim por diante.
Qual o problema?
Tudo é tão fácil, tão imediato na internet. O que pode haver de errado nisso? Segundo pesquisadores, acabamos recorrendo tanto à tecnologia que o cérebro se adapta a esse comportamento sem percebermos: a internet aparece com um recurso infindável e permanente, logo, não é necessário memorizar tanto. Se estamos com sede, bebemos água. Se estamos com frio, nos agasalhamos. Se precisamos saber alguma coisa, perguntamos ao Google.
Betsy Sparrow, professora de psicologia da Universidade Columbia, é uma grande estudiosa do assunto. Ela ressalta que o cérebro humano busca, sobretudo, eficiência: se o órgão perceber que vale mais a pena saber como efetivamente encontrar informação do que guardá-la, vai priorizar o primeiro comportamento.
Aí está o ponto de ruptura: nos tornamos excelentes em encontrar informação. As gerações atuais sabem combinar palavras-chave no Google ou acionam o aplicativo certo para cada tipo de atividade de maneira muito mais rápida e efetiva que uma pessoa que não esteve tão imersa na evolução tecnológica.
O “sintoma” mais presente é o esquecimento de coisas corriqueiras, como o telefone de casa ou o nome de um artista muito admirado. Mas o ponto que mais preocupa é que esse novo modo de agir pode interferir em habilidades e processos que são críticos no dia a dia.
Um dos testes conduzidos por Sparrow em seus estudos foi bem simples: a um grupo de voluntários foi dada a tarefa de digitar no computador frases de curiosidades, como “o olho do avestruz é maior que o seu cérebro”. Todos foram orientados a memorizar o máximo possível de afirmações. Posteriormente, o grupo foi dividido em dois. O primeiro foi informado de que as informações digitadas seriam apagadas. O segundo, não. Na etapa final, que consistia em revelar as afirmações memorizadas, o grupo que não sabia que as informações seriam apagadas teve desempenho bem pior.
No ambiente de ensino, esse comportamento pode dificultar o desenvolvimento do raciocínio lógico ou da habilidade de analisar e comparar informações. Isso porque o indivíduo acaba não encontrando necessidade real de estudar o assunto com profundidade.
Em outra parte da pesquisa, voluntários foram submetidos a um teste de Stroop, que mede a nossa reação quando nos deparamos com cores fora do contexto, por exemplo, a palavra ‘azul’ escrita com a cor amarela. A tarefa consistia em identificar as cores das palavras sem se importar com o significado delas. Se você demora mais para identificar ou se lembrar de uma cor, significa que, provavelmente, a palavra associada a ela tem mais importância para você.
Pois bem, a equipe de Sparrow notou que os participantes tiveram mais dificuldades para processar cores relacionadas a nomes como ‘Yahoo’ e ‘Google’, especialmente depois de enfrentar perguntas difíceis, sugerindo que o primeiro impulso dessas pessoas é buscar na internet respostas para as questões que elas não sabem responder.
Essa dependência pode deixar a pessoa perdida quando ela não tem como acessar a internet ou, pela dificuldade de se concentrar em outros meios de obtenção de informação (uma biblioteca, por exemplo), excessivamente cansada.
As pessoas também podem ter dificuldades para estimar esforços ou a habilidade para resolver problemas. Um estudo conduzido por Adrian F. Ward, da Universidade Harvard, mostrou que um grupo de voluntários teve menos desempenho em um teste do que eles acreditavam que teriam. Para eles, é como se a internet fosse uma extensão do cérebro. Se a informação está lá e você tem acesso imediato a ela, fica mais difícil mensurar o que se sabe e o que não se conhece.
Ufa, não estamos ficando burros
Isso significa que estamos ficando menos inteligentes ou qualquer coisa assim? Não. É necessário levar em conta que a internet propicia o aumento da quantidade de informações com as quais lidamos em curtos intervalos de tempo, logo, o tal do efeito Google também pode ser visto como uma forma que o cérebro encontrou para não ficar (tão) sobrecarregado. Notificações de aplicativos diversos, email, redes sociais, mensagens instantâneas, notícias… É muita coisa para processar.
Não é difícil entender esse mecanismo. Se você tem um único compromisso para a semana que vem, provavelmente se lembrará dele. Mas se são vários, é bom ter tudo numa agenda. Diante desse grande volume de informações, o cérebro priorizará o mecanismo que dá acesso a elas (neste caso, te lembrará de sempre consultar a agenda). Assim, a memória de curto prazo fica livre para outros afazeres.
Betsy Sparrow e outros pesquisadores chamam isso de memória transacional. O que estamos vendo aqui é que o cérebro se comporta do mesmo jeito em relação à internet. Como ali a carga de informações é muito maior, o comportamento retratado pelo chamado efeito Google se torna padrão.
Assim, a percepção do efeito Google serve de alerta, fundamentalmente. Não é ruim termos tanta facilidade para obtenção de informações, mas é importante usarmos os recursos disponíveis com equilíbrio. Via de regra, todo excesso faz mal. Felizmente, é mais fácil do que parece.
Já se sabe que, na hora de estudar, escrever à mão em vez de digitar costuma ter muito mais efeito na memorização e, consequentemente, na compreensão da ideia. Se estamos em um passeio, teremos muito mais benefícios cognitivos e satisfação se não ficarmos o tempo todo preocupados em tirar fotos ou filmar.
Jogos de tabuleiro ou cartas, por exemplo, também ajudam a manter as nossas capacidades de raciocínio e memorização aguçadas. O hábito de ler livros também (mas tem que ser hábito mesmo).
Para quem se o preocupa com o assunto, acima de tudo, vale a pena fazer uma reflexão sobre os hábitos online e, a partir daí, tentar aplicar os ajustes necessários. Se perguntar se você conseguiria executar determinada tarefa sem consultas à internet ou se sujeitar a testes de conhecimento sem ajuda do Google pode ser um bom jeito de começar.