Para a maioria das pessoas, a expressão “óculos inteligentes” provavelmente remete a dispositivos como o Google Glass. Mas e se essa “inteligência” estiver, na verdade, em uma forma de melhorar a função primária dos óculos, a de corrigir distúrbios visuais? Essa é a ideia da israelense Deep Optics: a startup está trabalhando em lentes que fazem ajuste automático de foco.
Essas lentes estão sendo desenvolvidas há três anos para, a princípio, atacar um problema que afetará praticamente todas as pessoas em alguma etapa da vida: a presbiopia, condição mais conhecida como “visão cansada”.
A presbiopia nada mais é do que a perda gradual da capacidade dos olhos de focalizar. O indivíduo que sofre do problema passa a ter cada vez mais dificuldade para enxergar objetos e informações que estão próximos do seu campo de visão. Não se trata exatamente de uma doença, mas de uma condição associada ao envelhecimento: para a maioria das pessoas, o problema começa a se manifestar após os 40 anos.
O que causa presbiopia? Os médicos ainda tentam identificar características fisiológicas que servem de “gatilho” para o problema, mas o que eles já sabem é que o cristalino, a “lente natural” dos olhos, começa a sofrer o peso da idade.
Quando somos novinhos, o cristalino é bastante flexível, conseguindo realizar foco com rapidez. Mas, por volta dos 40 anos, essa elasticidade começa a ser perdida — é como se o cristalino fosse uma peça que fica gasta por causa do uso constante.
Aí os sintomas começam a aparecer. O principal deles — normalmente, a manifestação que faz a pessoa perceber que precisa procurar um oftalmologista — é a dificuldade para ler. Você já deve ter visto a cena (ou feito o gesto, caso você já tenha presbiopia): a pessoa afasta objetos como livros e jornais da frente do rosto para conseguir fazer a leitura do que tem ali.
Como a presbiopia está associada ao processo de envelhecimento, não há muito o que fazer para prevení-la. A solução, portanto, é remediar: via de regra, o médico receita óculos ou lentes de contato que corrigem o problema. Esses são tratamentos eficazes para a grande maioria das pessoas, mas há uma limitação: como a presbiopia piora à medida que a pessoa envelhece, não raramente é necessário trocar os óculos ou as lentes de contato de tempos em tempos.
É aqui que a tecnologia da Deep Optics pode fazer a diferença. A empresa está trabalhando em uma lente que possui uma camada de cristal líquido transparente. Esse material, quando estimulado por uma corrente elétrica, muda seu índice de refração, ou seja, altera a forma como a luz se direciona ao passar por ali.
Sensores instalados nos óculos monitoram os olhos do usuário o tempo todo. Caso ele esteja olhando para um objeto que está perto, os sensores detectam a distância e enviam essa informação a um minúsculo chip. Este, por sua vez, faz os cálculos necessários para, conforme o resultado, enviar os sinais elétricos que farão as lentes se adequarem. O limite de correção é de até três graus, nível que, segundo a Deep Optics, corresponde ao alcance visual das lentes multifocais convencionais.
Se o objeto que o usuário mira estiver bem perto (como é o caso de livros ou do smartphone), esse processo faz as lentes se ajustarem para essa distância; se o objetivo estiver um pouco mais afastado (como é o caso do monitor de vídeo ou do painel do carro), os ajustes serão feitos para corresponder a essa extensão. Caso a pessoa olhe para longe, as lentes funcionarão como óculos comuns, não fazendo ajustes específicos.
No fim das contas, o usuário não precisará ficar naquele ritual de tirar e colocar os óculos conforme as tarefas que precisa realizar. Tampouco é necessário apertar botões ou olhar para pontos específicos para acionar a atividade elétrica das lentes — os sensores se encarregam de fazer tudo funcionar automaticamente. Talvez o único inconveniente é que, periodicamente, o usuário terá que recarregar ou trocar a bateria dos óculos (esse é um ponto que ainda não foi detalhado pela Deep Optics).
Além de amenizar a presbiopia, essas lentes poderão trazer um pouco mais de conforto para aplicações de realidade virtual, de acordo com a empresa. Não é raro que dispositivos como o Oculus Rift ou o Samsung Gear VR causem dor de cabeça ou outro tipo de incômodo após alguns minutos de uso. Isso acontece porque os visores ficam a uma distância fixa dos olhos, mas o conteúdo que aparece ali assume distâncias virtuais variáveis. O papel das lentes aqui seria o de fazer os ajustes necessários para evitar que essas diferenças causem desconforto.
Tudo muito promissor, só que essa invenção entra para a lista das tecnologias que ainda precisam passar por muitos testes e aperfeiçoamentos antes de chegar ao mercado. Um aspecto que precisa ser tratado, por exemplo, é a velocidade com a qual as lentes se ajustam.
A boa notícia é que os trabalhos estão a todo vapor, tanto que já há investidores apostando na ideia: neste mês, a Deep Optics recebeu um aporte de US$ 4 milhões de fundos de capital de risco para continuar tocando o projeto.
Com informações: MIT Technology Review