Sabe aquela história de fazer limonada se a vida te der limões? Ben Harvatine sabe. Ele sofreu uma concussão cerebral enquanto praticava luta livre. O incidente o fez chegar ao hospital com problemas de equilíbrio e fala. A recuperação durou alguns meses, atrapalhando inclusive os seus estudos. Mas pelo menos Harvatine transformou essa história em uma ideia: como estudante do MIT, ele obteve apoio para criar um dispositivo (inclusive com campanha no Kickstarter) que detecta golpes na cabeça e, assim, ajuda a prevenir lesões.

Concussão cerebral é tenso

Se você pratica atividades esportivas de impacto, como lutas ou futebol, talvez tenha alguma familiaridade com o assunto. A concussão cerebral nada mais é do que um trauma leve que o cérebro sofre por conta de uma batida de cabeça ou um chacoalhão forte (lesão em chicote).

Os exames de imagem (como ressonância magnética e tomografia computadorizada) frequentemente não evidenciam lesões estruturais. Os danos costumam ser microscópicos e, portanto, não podem ser identificados facilmente. Alguns especialistas acreditam que fatores psicológicos também possam estar envolvidos com os sintomas. E quais são eles?

Cada caso é um caso, logo, os sintomas variam. Mas os sinais mais comuns são dores de cabeça, tonturas, zumbido no ouvido, distúrbios visuais (como visão dupla e sensibilidade à luz), alteração de humor e náuseas. Em casos um pouco mais sérios, pode haver perda rápida de consciência, detrimento da memória e convulsões.

Efeito chicote

A maioria desses sintomas é de curta duração, mas alguns podem persistir por vários dias. Eu tive concussão cerebral em 2014 por causa de uma TV de tubo que caiu na minha cabeça (longa história). Não tive perda de consciência, problemas de fala ou confusão mental, mas a minha dor de cabeça (nada forte, felizmente) e a tontura duraram uns dez dias, tal como o médico havia previsto.

Essa manifestação prolongada de um ou mais sintomas é chamada de síndrome pós-concussão. Nesse meio tempo, você também pode ter outros probleminhas, como dificuldade de concentração ou ansiedade (meu caso), embora não se saiba ao certo se os problemas de atenção ou emocionais são causados pela concussão em si ou pela preocupação com o acontecimento.

Fato é que é um tanto angustiante saber que você teve uma concussão cerebral. Primeiro por conta do susto (ainda mais quando o médico dá o parecer dele com cara de “você se f…”, como foi o meu caso). Segundo porque você tem que ficar de repouso. Às vezes até assistir televisão pode atrapalhar, então você fica realmente entediado. Mas é necessário. O cérebro consegue se recuperar totalmente, mas você tem que colaborar.

Síndrome do segundo impacto

A concussão cerebral, por si só, não costuma deixar consequências. O maior problema é a tal da síndrome do segundo impacto, que ocorre quando a pessoa que já sofreu concussão passa por um novo episódio sem ter se recuperado integralmente do primeiro. Nessas circunstâncias, a segunda lesão pode ser bastante séria, até se o impacto tiver sido leve.

Mesmo quando os sintomas desaparecem, o cérebro pode ficar um tanto mais “sensível” que o normal. A pessoa pode até voltar às suas atividades rotineiras, mas se sofrer outro impacto, os riscos de complicações serão mais expressivos porque o cérebro ainda não está totalmente recuperado. Como é difícil mensurar o estado de recuperação, a prevenção é o melhor remédio.

Concussão

Foi por isso que Fernando Alonso foi impedido de disputar o GP da Austrália de Fórmula 1 em março de 2015. No mês anterior, em Barcelona, ele sofreu um acidente que causou concussão cerebral. Se ele corresse na Austrália, a simples desaceleração do carro poderia levar à síndrome do segundo impacto.

Jolt Sensor

O que todo esportista quer fazer após sofrer uma lesão é se recuperar o mais rápido possível para voltar às atividades. Para ele, ficar parado por semanas ou meses é uma tortura, especialmente quando há poucos ou nenhum sintoma. É por isso que o Jolt Sensor, o dispositivo idealizado por Ben Harvatine, está atraindo a atenção de atletas, treinadores e médicos.

Em formato de clipe, o dispositivo pode ser fixado a uma faixa, capacete ou bandana na cabeça, por exemplo. Dentro dele há um pequeno acelerômetro que, quando movimentado com determinada intensidade, indicando impacto significativo, gera um alerta que é enviado imediatamente a um aplicativo móvel. Esse aplicativo pode ser monitorado pelo treinador, pelo médico, pelo juiz, enfim.

Jolt Sensor

Caso a notificação denuncie um impacto importante, o monitor pode pedir para a pessoa parar imediatamente a atividade. Pode ser que ela não perceba nenhum problema naquele momento, mas se ela receber outro golpe na sequência, pode ter síndrome do segundo impacto. Aí a coisa fica séria.

Não estamos falando de uma invenção inédita. Mas Harvatine explica que a solução tem a vantagem de guardar um histórico de impactos sofridos e permitir que vários atletas sejam monitorados ao mesmo tempo.

Com uma análise individual, pode-se descobrir se um atleta está sofrendo uma quantidade grande de impactos, por exemplo. Mesmo que não tenha sofrido nenhuma lesão, esse aspecto indica que os riscos para ele são grandes. A partir daí, o treinador ou o médico pode determinar um acompanhamento mais rigoroso, uma diminuição na carga de treinos e assim por diante.

Se a análise dos dados coletados pelo Jolt for feita de modo global, considerando todos os indivíduos, pode-se obter informações importantes para um protocolo de prevenção mais eficaz. Harvatine e equipe notaram, por exemplo, que os jovens na faixa dos dez anos de idade que estavam sendo monitorados com o dispositivo apresentavam uma frequência muito elevada de golpes em atividades esportivas, tanto que os pesquisadores chegaram a se perguntar se os sensores de alguns deles não estavam com defeito.

Jolt Sensor - interior

Não estavam. Eles perceberam, posteriormente, que os jovens nessa faixa de idade são extremamente ativos, mas ainda não têm controle preciso de seus movimentos, o que os deixa mais suscetíveis a impactos fortes.

Tem mais. No longo prazo, uma ferramenta com o Jolt pode ajudar a comunidade médica a compreender melhor como os impactos lesionam o cérebro, o porquê de determinadas consequências se manifestarem e como o problema pode ser mitigado. Isso é muito importante, não só para esportistas: é possível que traumas na cabeça tenham relação com o desenvolvimento de doenças como depressão e Mal de Parkinson, só para você ter ideia.

Por ora, as recomendações clássicas continuam valendo. Se você bater a cabeça, procure um hospital, mesmo que os sintomas sejam leves. Siga as recomendações médicas, especialmente aquelas relacionadas ao repouso. Não dá para dar bobeira com essas coisas, né?

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