Esses dias eu estava indo até a lotérica mais próxima da minha casa para reforçar aquela fezinha corriqueira. Caminhava pela rua, olhando os prédios, quando o anjinho do ceticismo que habita minha cabeça começou a dar o ar de sua graça.
Vamos fazer um exercício aqui para simular mais ou menos como foi a linha de raciocínio: sabemos que usar o celular aumenta em até 400% o risco de acidentes de trânsito. Mandar uma mensagem de texto aumenta suas chances de bater o carro em 23 vezes.
Ainda assim, muitos pensam: “não vai acontecer comigo…”
Ao mesmo tempo, as chances de ganhar na Mega Sena são de 1 em 50 milhões! Aqui nos Estados Unidos, as chances para ganhar no PowerBall, principal loteria do país, são de absurdos 1 em 292 milhões.
Como diria o John Oliver, do excelente Last Week Tonight, é mais fácil ser atingido por um raio, enquanto se está sendo atacado por um tubarão, que acertar os seis números vencedores.
Mesmo dentro dessa realidade, como muitos de nós reagimos? “Ah, alguém pode ganhar, por que não eu?”
Quer outro exemplo de como lidamos de maneiras diferentes com essa coisa de gastar dinheiro versus o risco envolvido? Lembro aqui de uma análise do site Exame, que evidencia como gastamos dinheiro com seguro do carro para nos afastar de riscos. Mas não riscos de um acidente ou roubo propriamente dito e sim de ter que gastar uma fortuna, caso esses infortúnios aconteçam. Pagamos pela sensação de ter um risco menor.
Já no caso da loteria, pagamos para se aproximar dos riscos.
Que tipo de mecanismo é esse que nos faz desacreditar em possibilidades reais de algo ruim acontecer, mas também nos faz crer que algo enormemente improvável tenha chance de se tornar real? De onde vem essa estatística otimista que rege nosso comportamento?
Do ponto de vista científico, lembro de um estudo realizado em 2012, uma parceria entre a Escola de Medicina de Yale e a Universidade de New York, sobre como o cérebro avalia estas possibilidades. Durante os experimentos, os pesquisadores usaram ressonância magnética para avaliar o estímulo e atividade cerebral quando as pessoas tinham que ponderar entre probabilidade de ganhar em uma determinada loteria, o prêmio total envolvido e a ambiguidade entre essa probabilidade e o valor pago.
A conclusão do estudo demonstrou que lidamos com essa falsa esperança, química e fisiologicamente, de maneiras semelhantes a como lidamos com o fator felicidade ao receber recompensas. É importante citar aqui também que os circuitos neurais respondem a níveis de incerteza de uma forma que se opõe à Teoria da Decisão. Portanto, ligue seu senso crítico.
Mas, para simplificar, entenda que o cérebro se engana para tentar ficar feliz. Em alguns indivíduos, isso pode gerar problemas de vícios com apostas. Nessas pessoas, apostar em uma loteria tem o mesmo efeito no cérebro que os de adolescentes fumantes ou adultos com dependência alcoólica pouco antes de fumar ou beber.
Mas, em geral, desde que com parcimônia e responsabilidade, trata-se apenas de uma maneira de buscar uma alegria ou uma euforia passageira, a despeito das chances factíveis de ganhar algum dinheiro no sorteio. Basicamente, queremos nos sentir felizes, ter o prazer de ser o vencedor. “Are you a winner?”
Agora vocês me dão licença que amanhã saem os números e eu quero ficar bilionário! Vai que…